Por: GABRIEL ALMENDRA
Para muitos estudantes, o início da graduação marca não apenas o começo de uma jornada acadêmica, mas também uma fase de independência e crescimento pessoal. No entanto, para aqueles que optam por estudar longe do núcleo familiar, essa decisão pode trazer desafios emocionais significativos. A distância física dos entes queridos pode desencadear uma série de problemas psicológicos, afetando o desempenho acadêmico e a qualidade de vida do estudante.
Diante dessa realidade desafiadora, a transferência externa surge como uma alternativa viável para aqueles que buscam conciliar a busca pelo conhecimento com o bem-estar emocional. Esse processo envolve a mudança de instituição de ensino, permitindo que o estudante cancele seu vínculo com a faculdade atual e migre para outra que melhor atenda às suas necessidades e expectativas.
Normalmente, a transferência externa requer a aprovação em um processo seletivo específico, projetado para avaliar as habilidades e conhecimentos do estudante. Em muitos casos, a nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pode ser utilizada como critério de avaliação para essa transferência. No entanto, há situações em que a via judicial se torna necessária, permitindo a transferência externa em caráter excepcional, sem a realização de um novo processo seletivo.
Do ponto de vista jurídico, a transferência externa envolve questões complexas relacionadas aos direitos do estudante e às políticas educacionais. A legislação estabelece diretrizes específicas para esse processo, garantindo que os estudantes tenham o direito de buscar uma mudança de instituição de ensino quando necessário, sem prejudicar seu percurso acadêmico.
Como mencionado, a transferência externa pode ser conseguida independente de aprovação em teste seletivos e demais requisitos legais, como a necessidade de estar mais próximo da família em casos de saúde ou outras circunstâncias excepcionais. Nesses casos, a via judicial pode ser uma ferramenta importante para garantir que os direitos do estudante sejam protegidos e que sua transferência seja realizada de forma justa e equitativa.
Um exemplo concreto desse cenário é o caso de uma estudante matriculada em uma faculdade de medicina em Quixadá-CE, cuja assessoria jurídica conseguiu obter uma decisão favorável para sua transferência para o curso de Medicina em uma faculdade situada em Teresina-PI. Essa conquista não apenas possibilitou que a estudante continuasse sua formação acadêmica, mas também lhe proporcionou o apoio emocional necessário ao estar mais próxima de sua família durante um momento delicado de sua vida.
Vide trecho de decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 10ª Vara Cível da Comarca de Teresina, EDSON ALVES DA SILVA:
DECISÃO-MANDADO (...) Pois bem. A questão posta em discussão diz respeito à possibilidade de determinar a transferência compulsória de curso universitário entre instituições de ensino superior em decorrência de problemas de saúde da demandante. Acentuo que a matéria não é inédita neste juízo. Contudo, o caso em lide possui contornos que o fazem merecer delineamento diverso. Explico. (...) A transferência de alunos entre instituições de educação superior é regulamentada pelo art. 49 da LDB, contudo, os tribunais pátrios têm admitido a transferência fora das hipóteses legais como medida excepcional, tais como o caso dos autos, em que se trata de doença que acomete a própria autora, de modo que presença de seus familiares na mesma cidade em que reside se mostra, em cognição sumária, imprescindível. (...) E em decisão recente, proferida em sede de Agravo de Instrumento (AI nº 2018.0001.001660-7) aos 07/03/2018, o Desembargador Relator deferiu monocraticamente a tutela de urgência, pontuando a necessidade de permanência do estudante no seio familiar e de atendimento aos direitos fundamentais do estudante previstos na Constituição Federal, nos seguintes termos: Assim, deve ser considerado, nesse momento processual, a gravidade da enfermidade que acomete o Agravante e a necessidade dele permanecer no seio familiar e poder dar continuidade ao seu tratamento em Teresina/PI, por oferecer melhores condições do que a cidade de Parnaíba/PI, em observância aos direitos fundamentais do Agravante/Estudante insculpidos na Constituição Federal. No caso em lide, a excepcionalidade da medida restou devidamente demonstrada, a considerar que a demandante comprovou encontrar-se diagnosticada com quadro de asma grave, artrite reumatológica, depressão e ansiedade generalizada. Ainda no ponto, o relatório psicológico de ID 41659797 evidencia que o quadro de depressão e de ansiedade generalizada tiveram um aumento considerável a partir do momento em que iniciou o curso de medicina na cidade de Quixadá-CE, quando passou a apresentar choro intenso, insônia e ganho de peso, recomendando acompanhamento psicológico mais próximo da família, de forma presencial em Teresina-PI. Não pode passar despercebido ainda que a suplicante também fora submetida a atendimento psiquiátrico, do qual decorreu prescrição de medicamento para depressão e acompanhamento de forma presencial perto da família (laudo de ID 41659796). Nesta quadra, como cediço, a depressão é uma patologia que inibe comportamentos simples do cotidiano, causando profunda angústia em seu portador, tratando-se de enfermidade que afeta severamente a saúde mental e até mesmo física do paciente, caso não seja tratada da forma mais adequada. No caso em tela, o referido laudo deixa evidente a necessidade de continuidade do tratamento da demandante no Município de Teresina/PI, sob a justificativa de que a proximidade com a família contribuirá para melhores cuidados e evolução terapêutica da requerente. Diante dessas circunstâncias, vislumbro comprovada, nesta fase de análise inicial, a probabilidade do direito da autora (fumus boni iuris). Ainda nesta trilha, o fato de a autora necessitar de acompanhamento familiar para tratamento de transtorno depressivo e ansiedade generalizada e a circunstância de sua família residir no Município de Teresina-PI, também revelam o atendimento ao segundo requisito da tutela antecipada, consistente no perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. É que a permanência da autora na cidade de Quixadá-Ce repercutirá na gravidade no seu quadro e impossibilidade de evolução terapêutica, o que repercute na própria subsistência digna da requerente, caso a tutela pretendida não seja concedida nesta fase. (periculum in mora). Por fim, não há que se falar em irreversibilidade da medida, a considerar que, caso constatado posteriormente que a autora não é detentora do direito que aparenta possuir, a medida poderá ser revista (arts. 296 e § 3º do art. 300, CPC), retornando-se ao status quo ante. Ademais, a medida não repercutirá em prejuízo financeiro, a considerar que a demandante deverá suportar as mensalidades do curso junto à faculdade demandada, devendo se sujeitar ainda à grade curricular exigida junto à suplicada. Em face do exposto, com fundamento no art. 300 do CPC, presentes os pressupostos legais, DEFIRO a tutela de urgência pleiteada e determino que o suplicado INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DO PIAUÍ LTDA, materialize, no prazo de 05 dias, a transferência da autora e efetive sua matrícula no curso de medicina a partir do período letivo 2023.2, de acordo com a compatibilidade curricular do curso de origem, tudo sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 até o limite de 10 dias (R$ 5.000,00).
Em conclusão, a possibilidade de transferência externa pela via judicial destaca-se como uma ferramenta crucial para garantir que os direitos dos estudantes sejam protegidos em situações excepcionais. Quando circunstâncias pessoais ou familiares demandam uma mudança de instituição de ensino, a intervenção judicial pode proporcionar uma solução justa e equitativa, permitindo que os estudantes continuem sua jornada acadêmica sem enfrentar obstáculos desnecessários.
Ao reconhecer a importância do bem-estar emocional, da proximidade familiar e dos direitos legais dos estudantes, as instituições de ensino e o sistema jurídico podem trabalhar em conjunto para promover um ambiente educacional inclusivo e acolhedor. Dessa forma, a transferência externa não é apenas uma questão administrativa, mas sim uma questão fundamental de acesso à educação e proteção dos direitos individuais.
Portanto, é essencial que os estudantes estejam cientes de seus direitos e saibam que, em casos de necessidade, têm o respaldo legal para buscar uma transferência externa por meio da via judicial. Essa garantia não apenas fortalece a autonomia dos estudantes, mas também reafirma o compromisso da sociedade com a promoção da igualdade de oportunidades e o respeito pelos direitos humanos fundamentais.
GABRIEL ALMENDRA
Advogado Educacional – OAB/PI 18.698
O escritório ALMENDRA & MOTA é dedicado a fornecer assistência jurídica especializada em direito educacional. Com uma equipe de advogados experientes e comprometidos, buscamos oferecer soluções eficazes e personalizadas para uma variedade de questões legais relacionadas ao ambiente educacional. Nosso foco principal reside no direito educacional, com especial atenção para as complexidades do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Entendemos os desafios que os estudantes e instituições enfrentam ao navegar pelo sistema educacional e buscamos fornecer orientação jurídica sólida para ajudá-los a alcançar seus objetivos.