A Constituição de 1946 foi um marco significativo na trajetória democrática do Brasil, surgindo num contexto histórico pós-Segunda Guerra Mundial que favorecia a consolidação de regimes democráticos. Esse documento rompeu com o autoritarismo da Constituição de 1937, marcando o fim da Era Vargas e restaurando direitos políticos e liberdades públicas para os cidadãos brasileiros. Vamos explorar detalhadamente as principais características da Constituição de 1946, suas inovações em relação ao regime anterior e suas repercussões na organização política do Brasil.
Afirmação e Estabelecimento da Democracia
Elaborada em um momento de otimismo democrático global, a Constituição de 1946 tinha como objetivo principal instaurar um regime democrático no Brasil. Isso já era visível no seu preâmbulo, que mencionava explicitamente a organização de um regime democrático. Em contrapartida, sua antecessora de 1937 não abordava o tema da democracia, refletindo o contexto autoritário da época.
Superioridade do Executivo na Constituição de 1937
Concentração de Poder
A Constituição de 1937 estabelecia uma clara superioridade do Poder Executivo sobre o Legislativo. O Presidente da República era a “autoridade suprema do Estado”, com poderes para coordenar a atividade dos órgãos representativos e promover a política legislativa. O Parlamento tinha um funcionamento restrito, dependendo da convocação presidencial para sessões extraordinárias e iniciativas de leis.
Dissolução do Parlamento
A Constituição de 1937 permitia ao Presidente da República dissolver a Câmara dos Deputados sob determinadas circunstâncias, como a não aprovação de medidas durante estados de emergência ou guerra. Isso, na prática, centralizava ainda mais o poder no Executivo, enfraquecendo o Legislativo.
De fato, o Legislativo brasileiro praticamente não funcionou entre 1937 e 1945. Nesse período, o governo de Getúlio Vargas governou através de decretos-lei, sem a necessidade de aprovação parlamentar, configurando um período de governo autoritário.
Valorização do Legislativo na Constituição de 1946
Independência dos Poderes
A Constituição de 1946 buscou a restauração da independência e harmonia entre os poderes. Diferentemente do texto de 1937, a autonomia do Legislativo foi amplamente protegida e não havia menção de superioridade do Executivo. O Legislativo ganhou competências específicas e o funcionamento do Parlamento foi expandido para oito meses por ano, com possibilidade de sessões extraordinárias convocadas por seus próprios membros.
Iniciativa de Leis
A iniciativa para a criação de leis não era mais monopólio do Executivo. A Constituição de 1946 permitia que qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal apresentasse projetos de lei, exceto para casos de competência exclusiva, como modificação da lei de fixação das Forças Armadas.
Controle do Executivo
A Constituição de 1946 também contemplou mecanismos de controle do Legislativo sobre o Executivo, permitindo a criação de Comissões de Inquérito e convocação obrigatória de Ministros de Estado para prestação de informações. Garantias como a imunidade parlamentar também foram incluídas, ressaltando o compromisso com a independência dos membros do Legislativo.
Eleições
Princípios Democráticos
A Constituição de 1946 garantiu eleições periódicas e a temporariedade das funções eletivas no âmbito federal e estadual. O voto secreto e obrigatório foi estabelecido para homens e mulheres, conferindo maior amplitude democrática ao processo eleitoral.
Sistema Eleitoral
Deputados passaram a ser eleitos pelo sistema de representação proporcional, diferente do critério indireto anterior, que restringia a participação popular. O Senado voltou ao modelo de eleição direta, com três senadores por estado eleitos pelo princípio majoritário, reforçando a representatividade democrática.
Presidência da República
A eleição para Presidente e Vice-Presidente da República era direta e simultânea, com mandato de cinco anos e vedação à reeleição. No entanto, a exigência de maioria absoluta só foi incorporada posteriormente, o que trouxe problemas de legitimidade em alguns pleitos.
Direitos Fundamentais na Constituição de 1946
Liberdade de Expressão e Associação
A Constituição de 1946 garantiu a proteção dos direitos fundamentais, incluindo a liberdade de expressão sem censura prévia, exceto em casos específicos. A liberdade de associação também foi assegurada, desde que respeitados os princípios democráticos, embora houvesse restrições a partidos e associações contrárias ao regime democrático.
Direitos Políticos
Nessa Constituição, houve uma tentativa de inclusão dos mais diversos segmentos sociais, embora os analfabetos ainda estivessem excluídos do processo eleitoral, limitando a cidadania plena. As garantias processuais e de direitos individuais foram ampliadas, representando avanços significativos em comparação com o texto de 1937.
Conclusão
A Constituição de 1946 estabeleceu um regime democrático no Brasil, rompendo com o autoritarismo da Constituição de 1937. Apesar dos avanços significativos em termos de garantias democráticas e participação política, algumas limitações como a exclusão dos analfabetos e a não exigência de maioria absoluta para a eleição presidencial trouxeram desafios. Essas insuficiências podem explicar, em parte, a instabilidade que culminou no golpe militar de 1964.
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